terça-feira, 17 de julho de 2012

Do medo normal ao medo patológico; Quando a ansiedade não passa.


Do medo normal ao medo patológico
Sentimentos de ansiedade são muito úteis, impedindo que as pessoas entrem em situações que são muito perigosas.
Aqueles que tiveram uma experiência traumática inicialmente tendem a evitar o local da tragédia por causa do medo.
Com o passar do tempo, como a situação não se repete, normalmente os sintomas de medo diminuem gradualmente.
“A memória dos acontecimentos traumáticos não é apenas apagada,” afirma o Dr. Andras Bilkei Gorzo, da Universidade de Bonn (Alemanha). “As pessoas afetadas aprendem, por meio de um processo de aprendizagem ativa, que eles não precisam mais ter medo porque o perigo já passou.”
Mas, após um estresse psíquico extremo, como o resultante de guerras, sequestro, acidentes ou catástrofes podem desenvolver desordens de ansiedade crônicas, que não cedem mesmo depois de meses e anos do ocorrido.
Dinorfina
Mas por que os incidentes traumáticos parecem ter sido completamente deletados da memória de algumas pessoas, enquanto permanecem vivos na memória de outras?
“Nós conseguimos demonstrar por meio de uma série de experimentos que a dinorfina desempenha um papel importante no enfraquecimento da ansiedade,” responde o Dr. Andreas Zimmer, coautor do estudo.
A dinorfina é uma substância do grupo dos opióides, que inclui também, por exemplo, as bem conhecidas endorfinas.
As endorfinas são liberadas pelo corpo de atletas, e têm um efeito analgésico e eufórico.
As dinorfinas têm o efeito inverso: elas funcionam como um amortecedor emocional.
Traumas e fobias
A equipe testou o impacto exato das dinorfinas sobre o cérebro usando camundongos cujo gene para a formação dessa substância havia sido desativado.
Depois de terem sido expostos a um breve, mas desagradável, choque elétrico, os animais passaram a apresentar sintomas persistentes de ansiedade, mesmo muito tempo depois que o estímulo foi suprimido.
Em seguida, os pesquisadores mostraram que estes resultados podem ser transferidos para as pessoas.
Isso foi mais fácil porque há uma grande diferença nos níveis de dinorfinas liberadas pelo cérebro entre as pessoas. Os voluntários foram distribuídos em grupos, um com alto nível de liberação de dinorfina e outro com nível muito baixo da substância natural.
Os resultados foram os mesmos que para os animais.
Os cientistas agora planejam usar os resultados para desenvolver abordagens de longo prazo para o tratamento de pacientes com traumas e fobias. [Redação do Diário da Saúde]

Foco, Disciplina e Determinação


     Muito se fala de mecanismos e fórmulas para alcançar um objetivo. Entretanto, quando a teoria não é posta em prática, os anseios podem se limitar. O ponto preponderante a todo cidadão na busca do sucesso – seja profissional ou pessoal – é traçar metas e encará-las para vencer sem remediar.

     O maior desafiante perante nossas ambições e vontades é a mente humana. Por isso, somos nós mesmos os nossos maiores concorrentes. Se empenharmos, prepararmos e explorarmos o cérebro a desenvolver com equilíbrio o que almejamos, notadamente, tornar-se-á uma tarefa mais fácil chegar ao objetivo. No que diz respeito aos desejos educacionais – leiam-se concursos, vestibulares concorridos etc. – esse é o caminho contundente a seguir. Sabemos, inclusive, que diversos aspectos são variáveis que podem interferir na empreitada. Como exemplo, o fator sócio-econômico, a origem educacional ou estrutura familiar. Todavia, diante das dificuldades que se revelam mentes brilhantes e atores importantes do cenário de uma sociedade. Ou seja, não há mais espaço para determinismo social como outrora. Pelo contrário, o espaço está aberto para todos, mas obviamente sendo mais fácil para alguns e mais difícil para outros.
Nenhuma barreira é intransponível. Pode tão somente ser uma tarefa difícil superá-la, mas que com foco e disciplina sua conquista será conseqüência. O sentimento de decepção que permeia àqueles que ainda não conseguiram ultrapassar determinado obstáculo, deve ser combustível para tentar, arriscar e teimar mais uma vez.
     Em suma, aplicar foco, disciplina e determinação para toda atividade que se proponha a desenvolver é alicerce e parâmetro fundamental para o caminho que se deseja trilhar. Portanto, sejamos insistentes e pertinentes aos nossos sonhos independentes de quão difícil possa parecer conquistá-los. Desse modo, estamos aptos a seguir mais a nossa intuição e menos a razão, já que essa na maioria das vezes nos referencia limites. Por fim, sigamos o que foi dito sabiamente por Raul Seixas: “… não diga que a vitória está perdida… tenha fé em Deus, tenha fé na vida… é de batalha que se vive a vida… Tente outra vez!”.
Fonte: twitter - @jornal_caruaru

ANGOLA É AQUI


No vocabulário, na cultura e nos costumes, a identidade brasileira tem origem no outro lado do Atlântico


Repubilika ya Ngola / República de Angola

República Federativa do Brasil


Dengo, farofa, moleque, neném, quitanda, samba... Quer palavras mais brasileiras do que estas? 

De fato, são brasileiras – mas nasceram na África. Foram trazidas da vasta região costeira central do continente, onde hoje se encontram Angola e Congo. Com origem no tronco lingüístico banto, que engloba línguas como o quimbundo, o umbundo e o quicongo, essas palavras substituíram vocábulos portugueses que eram utilizados para os mesmos fins. Ou seja, em alguns casos, os falares africanos conseguiram sobrepor-se aos outros. Como a língua é algo vivo, algumas palavras mudaram um pouco, outras adquiriram significados diferentes, mas não muito distantes do original.

A linguagem é um dos aspectos mais evidentes da contribuição cultural dos africanos trazidos para o Novo Mundo. Mas nem de longe é o único. Houve diversos aportes civilizatórios da África para o Brasil, e algumas regiões foram especialmente relevantes nesse processo, como é o caso de Angola. Práticas religiosas, conhecimentos técnicos agrícolas e de mineração, valores sociais, costumes na vida cotidiana e hábitos de alimentação, entre outros elementos, fizeram parte da bagagem cultural que os escravizados trouxeram para a formação de nosso país. 

Manifestações religiosas como os calundus, de forte presença entre os escravos trazidos da região Congo-Angola, estão na origem de religiões afro-brasileiras, como o candomblé na Bahia. Há indícios de que a arte da capoeira tem origem na “dança da zebra”, o n’golo do sul de Angola. O jongo, tão presente em comunidades negras do Sudeste brasileiro, e a congada assinalam sua herança centro-africana em versos, personagens, palavras. Os movimentos de corpo característicos de algumas danças brasileiras – sobretudo o rebolado – também têm sua origem em Angola. De lá, portanto, viria boa parte da nossa ginga. Aliás, esta é uma palavra derivada da língua quimbundo, e nomeava uma rainha africana. De nome de rainha a elemento da congada, a ginga adquiriu muitos outros significados, hoje atribuídos principalmente aos brasileiros. 

Os laços que ligam o Brasil a Angola existem há muito tempo. Remontam à formação do Império português, do qual fizeram parte, e se estendem por séculos, chegando aos nossos dias. 

O Brasil é o país que por mais tempo e em maior quantidade recebeu pessoas escravizadas vindas da África. Aproximadamente 40% de todos os escravos africanos que deram entrada em portos do Novo Mundo foram trazidos para o nosso país. Desse total, uma ampla maioria embarcou em cidades do litoral da atual Angola. Segundo o historiador Philip Curtin, o Brasil recebeu 1.685.200 escravos no século XVIII, dos quais 550.600 vindos da Costa da Mina e 1.134.600 de Angola. O tráfico angolano abastecia principalmente o porto do Rio de Janeiro, e em segunda escala, Bahia e Pernambuco. As capitanias de Pernambuco, Maranhão e Pará detinham 20% do tráfico de escravos de Angola no fim do século XVIII e começo do XIX.

Nas palavras do padre Antônio Vieira em 1648, “sem negros não há Pernambuco, e sem Angola não há negros”. No século XVII, quando Luanda foi invadida e ocupada pelos holandeses, uma expedição partiu do Rio de Janeiro a fim de retomar Angola para o Império português. A missão foi financiada principalmente com capital dos comerciantes do Rio, e as tropas eram formadas por indígenas, africanos e seus descendentes. O sucesso da expedição comandada por Salvador de Sá, governador do Rio de Janeiro, em 1648, reforçou a determinação de libertar Pernambuco do domínio holandês, o que aconteceu anos depois, em 1654.

A retomada de Angola também fez crescer a presença dos brasileiros por lá. Durante um século, entre 1648 e o fim dos anos 1740, gente do Brasil – por nascimento ou por vínculo de residência – praticamente dominou Angola, ocupando as funções que seriam de Portugal no controle da colônia e no tráfico de escravos. Portugal teve que fazer esforços para retomar as rédeas do controle político da área, o que conseguiu apenas em parte. Economicamente, e muitas vezes administrativamente, a relação foi se tornando tão estreita que qualificava as cidades-porto do litoral angolano, como Luanda e Benguela, como extensões do Brasil colonial no início do século XIX. 

No processo de independência do Brasil, líderes políticos tinham interesse em anexar a colônia africana ao novo país. Não sem razão, no tratado que D.Pedro I teve que assinar para ter sua emancipação reconhecida pelo governo português, constava como exigência que o Brasil reconhecesse a soberania portuguesa sobre Angola. E à Inglaterra, mediadora do tratado, também interessava que o Brasil se distanciasse das rotas do tráfico escravista no litoral africano. 

Frustraram-se, portanto, as esperanças de um só reino, ou de dois reinos unidos, conjugando as duas margens do oceano, a brasileira e a angolana.

A união entre Brasil e Angola não aconteceu, mas é claro que onde há fortes relações econômicas e políticas constroem-se intercâmbios pessoais, familiares e de parceria em diferentes atividades. Era comum que grandes comerciantes abrissem representações de suas casas de negócio em Angola, muitas vezes gerenciadas por parentes, ou mesmo por seus cativos. Famílias de negociantes se dividiam entre um lado e o outro do Atlântico, mantinham um ir-e-vir constante, não só de pessoas, mas de notícias, produtos, correspondências. Comerciantes escravistas na África mandavam seus filhos estudar no Brasil, para que aprendessem o português, conhecessem a dinâmica do comércio e da sociedade brasileira e pudessem tornar-se intermediários qualificados nesses negócios.

A estreita convivência não terminou com o fim do tráfico atlântico. Aparentemente reduzida na primeira metade do século XX, depois encontrou outros caminhos. As lutas pela libertação de Angola do domínio colonial português foram acompanhadas com vivo interesse por brasileiros, ainda que naquela época amordaçados pela ditadura. Houve gente que participou ativamente dos movimentos de libertação. Nosso movimento negro festejou a independência de Angola, e o rápido reconhecimento das novas nações africanas pelo governo brasileiro criou uma abertura diplomática importante em direção à terra de nossos ancestrais.

Na esteira dos novos interesses após a independência (1975), a influência de meios de comunicação brasileiros e de seus produtos passou a ser intensa no cotidiano dos angolanos. Telenovelas eram referência de entretenimento, para o comportamento dos jovens e a estética do vestuário. Nos canais de televisão locais são exibidos programas feitos no nosso país. Mercadorias brasileiras, legalmente importadas ou na candonga (contrabando), viraram produtos de consumo importantes, sobretudo roupas e calçados. 

A literatura e a música, fortemente impregnadas de memórias, ritmos, instrumentos e vozes de herança africana, também cruzaram o oceano e desembarcaram com grande sucesso no país independente, como Jubiabá, de Jorge Amado, e Tenda dos Milagres, de Guimarães Rosa.

Encontros que abriram para os artistas brasileiros novas perspectivas de explorar nossa identidade cultural. Gilberto Gil compôs e cantou com grande propriedade: “Trago a minha banda/ Só quem sabe onde é Luanda/ Saberá lhe dar valor”.  

Após a década de 1980, surgiram novas rotas de migração. Inicialmente provenientes de Angola, e acrescidas de recentes levas vindas do Congo, essas populações de refugiados são formadas principalmente por jovens do sexo masculino. A nova diáspora centro-africana para o Brasil é fruto das guerras e das impossibilidades geradas por séculos de espoliação. 

O que não se pode nem se deve deixar de lembrar são nossos fortes vínculos com esses povos e essa terra. As heranças congo-angolanas, que em grande parte nos tornaram o que somos, nos lembram o quanto é importante perceber, reconhecer e se orgulhar do nosso pertencimento à África.

As rápidas transformações geopolíticas em todo o planeta trazem novos desafios para o Brasil. Para saber qual o seu papel nesse jogo, o país precisa primeiro conhecer sua verdadeira identidade. E isso inclui recordar os compromissos que tem com a própria História.



Por: Mônica Lima

sábado, 7 de julho de 2012

...racismo no Brasil? Não existe! Isso é coisa de americano...


O racismo é a tendência do pensamento, ou do modo de pensar em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras. Onde existe a convicção de que alguns indivíduos e sua relação entre características físicas hereditárias, e determinados traços de caráter e inteligência o

Um Brasil, muitas Áfricas


Iorubás e ambundos foram importantes na formação do Brasil, mas apenas parte de um grande coro, composto de gente de quase toda a África subsaariana



De que África teria saudades um africano no Brasil? De sua aldeia, certamente, ou do bairro da cidade onde passou sua infância. No Brasil, deixara de ser conhecido por sua terra natal, pelo seu clã, pelo nome que o seu povo dava a si mesmo ou recebia dos vizinhos. Exceto para ele e para os conterrâneos ou vizinhos que encontrava no exílio, não era mais um iaca, auori ou gun: passara a ser chamado angola, nagô ou mina, e africano, e negro. Na fazenda ou na cidade onde penava, podia haver quem falasse o seu idioma ou outro próximo, e até quem fosse de seu vilarejo e seu malungo, ou companheiro de barco na travessia do Atlântico. Por toda parte, porém, encontrava gente estranha, de outras Áfricas que não a sua, com tradições, crenças, valores, costumes, saberes e técnicas diferentes. Este, em sua terra, andava de camisolão até os pés e gorro na cabeça, aquele não tinha mais do que um pano entre as pernas, amarrado na cintura. Aqui, as mulheres entrançavam os cabelos com contas e conchas; ali, cobriam a cabeça com véu ou turbante; acolá, raspavam o crânio. Umas vestiam-se apenas com miçangas, outras com bubus, ou envolviam o corpo com panos coloridos, e todas exibiam muitos colares e argolas nos braços e nos tornozelos.
Cada um de nós não domina mais do que uma pequena parcela de sua cultura. Nem todos os sossos da Guiné e outros africanos que produziam ferro de alta qualidade sabiam operar um forno ou uma forja, mas alguns poucos, sim. No Brasil, os que já eram ferreiros ou apenas conheciam rudimentos do ofício construíram fornos conforme o modelo predominante em sua terra. Isso explica o fato de terem existido fornos tão diferentes em Minas Gerais, às vezes a pouca distância uns dos outros.
Os africanos não se restringiram a ser os pioneiros da metalurgia de ferro no Brasil. Desde muito acostumados à cata do ouro ? do qual, durante séculos, algumas regiões como o Rio Falemé, o Alto Níger, o país acã e o planalto de Zimbábue foram os principais fornecedores da Europa e do mundo muçulmano ?, trouxeram com eles as técnicas da bateia e de escavação de minas. Alguns eram bons ourives, que criavam, na África, joias de grande beleza, como as dos axantes, e passaram a fazê-las com novos modelos no Brasil.
Sabiam como criar o gado fora dos estábulos, solto no campo, e o foram multiplicando e espalhando savanas afora, savanas muito semelhantes às que haviam deixado na África. Pouco valiam no Brasil as lições dos campinos do Ribatejo, e muito as dos fulas (ou fulanis) e hauçás (ou haussás). Como as práticas agrícolas portuguesas lhes foram impostas, só puderam plantar do modo a que estavam acostumados em suas pequenas roças e nos quilombos. Apesar disso, aqui e ali aplicaram os seus saberes, como os balantas e outros negros da Alta Guiné no cultivo do arroz no Maranhão. E trouxeram para o país muitos vegetais, como o dendê, a malagueta, o maxixe e o quiabo, básicos na cozinha brasileira, que enriqueceram com novas comidas. Assim como ocorria na África, as mulheres iam vendê-las nas ruas. E continuam a fazê-lo até hoje, em Salvador como em Lagos, e a fritar o acarajé num fogareiro, diante do freguês.
Aos africanos deve-se também que se tenham produzido, sobretudo nas grandes propriedades rurais, e ao arrepio das proibições régias, tecidos para uso dos escravos, em teares extremamente simples, horizontais ou verticais, conforme a região de origem do tecelão ou da tecelã. Repetiu-se aqui o que sucedera no arquipélago de Cabo Verde, grande exportador de panos, onde os portugueses esqueceram os teares europeus em favor dos africanos.
A cabana em que vivia esse tecelão era construída como na África: as paredes de sopapo e o teto de folhas de palmeira ou de capim. Ainda que competindo com o mocambo de palha de tradição ameríndia, a morada do pobre no Brasil seria, durante muito tempo, de sopapo, à africana, e não de taipa de pilão ou de pedra, como em Portugal. Não prosperaram aqui as cabanas cônicas; impôs-se a de planta quadrada, com teto em duas águas, que, no Brasil, ganhou janela. Já a casa dos ricos, trazida de Portugal, recebeu da África do Oeste, e talvez também da Índia, o alpendre na frente ou nos fundos, e nele, lá como cá, passava-se boa parte da vida.
Nessas varandas, as crianças ouviam os relatos fantásticos de diferentes nações africanas, cujos personagens e enredos se mesclavam entre si e com os ameríndios e europeus, de tal modo que se tornava difícil separar o Curupira dos tupis do moatiadosaxantes, pois ambos, do tamanho de anões, tinham os pés virados para trás e eram os senhores dos animais selvagens. Vindos da África, bichos-papões, jogos e brinquedos desembarcaram no Brasil. E lembranças de desfiles de reis, com seus enormes guarda-sóis coloridos, que, no Brasil, se reproduziram nos maracatus, nas congadas e nos reisados.
Nesses desfiles reais, ouviam-se tambores, agogôs, pífanos e numerosos outros instrumentos que eram deles e são nossos. Esses instrumentos animavam as festas nos dois lados do Atlântico, com ritmos e melodias que se foram transformando, ao se entrelaçarem com as europeias, na nossa música.  
Não se dançava na África apenas pela alegria do convívio. Dançava-se também para reverenciar os deuses e recebê-los na alma. Foram muitas as religiões que atravessaram o oceano, pois cada povo tinha a sua. Algumas absorveram outras crenças ou foram por elas absorvidas, gerando novos sistemas religiosos, como a umbanda. Outras não deixaram vestígios. Mas a uma das religiões trazidas da África, a dos orixás, converteram-se em grande número, principalmente no Brasil e em Cuba, pessoas de outras origens, e o que era a religião dos iorubás tornou-se uma religião universal.         
Por iorubás passaram a ser designados, desde a metade do século XIX, diferentes grupos que, na atual Nigéria, na República do Benim e no Togo, falam a mesma língua, embora com variações dialetais, possuem culturas semelhantes e se aglutinavam em torno de cidades-estado, compartilhando muitas tradições, ainda que em alguns casos pudessem ser diferentes e até mesmo conflitantes. Tidos como iorubás (e, no Brasil, também nagôs), sabiam-se oiós, ifés, egbas, auoris, quetos, ijexás, ijebus, equitis, ondos, igbominas ou de outras nações. Assim também os falantes de quimbundo, os ambundos de Angola, compreendiam vários grupos com dialetos e culturas diferenciados, entre os quais andongos, dembos, hungos, quissamas, songos, libolos e bângalas.
Os vários grupos iorubás e, ainda mais, os ambundos tiveram grande importância na formação do Brasil. Mas foram apenas parte de um grande coro, composto de gente de quase toda a África subsaariana. De certas regiões vieram números enormes; de outras, pouquíssimos. Houve quem fosse obrigado a longuíssimas viagens, do centro do continente até os portos litorâneos, e se conhecem casos de cativos feitos a oeste do Rio Cuanza e embarcados em Moçambique.
Enriquece o quadro saber-se que havia ligações preferenciais entre portos brasileiros e africanos. O Rio de Janeiro, por exemplo, vinculava-se sobretudo aos portos de Angola, Congo e Moçambique, e recebia, por isso, não só pessoas dos diferentes grupos ambundos, mas também, entre muitos outros, congos, sossos, iacas, vilis, huambos, lubas, galangues, bailundos, luenas, macuas e tongas. Salvador comerciava intensamente com o golfo do Benim, e em seus portos embarcavam fons, iorubás, mahis, ibos, ijós e efiques, além de indivíduos das savanas mais ao norte, hauçás, nupes (ou tapas), baribas e bornus. De São Luís do Maranhão ia-se com facilidade à Alta Guiné, e de Cacheu e Bissau lhe chegaram mandingas, banhuns, pepeis, felupes, balantas, nalus e bijagós.
Para o Brasil foram trazidos africanos de mais de uma centena de povos diferentes. Muitos deles já se conheciam na África, por serem vizinhos ou terem comércio entre si. Um gã se entendia com os evés, os acuamus e os auoris, que viviam na mesma região e tinham costumes parecidos, e talvez até mesmo com os hauçás que se aproximavam do litoral para comerciar, pois era comum que um africano falasse mais de um idioma: o seu e outro ou outros que aprendera no convívio do mercado ou com as esposas de seu pai, algumas delas estrangeiras. E as diferenças eram compensadas pelas semelhanças, em processos contínuos de mestiçagem física e cultural. Algumas vezes, dois ou mais povos se entrelaçavam e criavam um novo, como fizeram os africanos que foram coformadores do Brasil. 

O tráfico transatlântico trouxe para o Brasil escravos provenientes de mais de uma centena de povos africanos. Acima, casais de Senegal, Benim e Congo, em gravuras de Grasset de Saint-Sauveur.
O tráfico transatlântico trouxe para o Brasil escravos provenientes de mais de uma centena de povos africanos. Acima, casais de Senegal, Benim e Congo, em gravuras de Grasset de Saint-Sauveur.


Fonte: Biblioteca Nacional de História.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Bolivarianismo em xeque


Venezuela vai às urnas em outubro. População decidirá se Hugo Chávez permanece ou não no poder. Apesar dos meses pela frente, algumas polêmicas já afetam a campanha da oposição



Hugo Chávez
Hugo Chávez
Foi dada a largada para decidir quem vai ocupar o Palácio Miraflores, sede da presidência venezuelana, pelos próximos seis anos. A eleição ocorre em outubro e estão na disputa o atual governante Hugo Chávez (há 13 anos no poder), com seu projeto socialista e regime bolivariano; e Henrique Capriles, do COPEI (Comité de Organización Política e Electoral Independiente) - movimento democrata-cristão. Em 2005, quando Evo Morales foi eleito presidente da Bolívia em meio à crise do gás, comentaristas de todo o continente começaram a problematizar se não seria aquele um indício da difusão da retórica política chavista – que visa uma integração latino-americana fundamentada numa crítica do modo de produção capitalista. Hoje, sete anos depois, a Venezuela parece longe de se tornar a grande referência política na América do Sul. Muito por causa do subsequente crescimento da economia brasileira.
O fato pode ser ilustrado pelas campanhas eleitorais no continente. A candidatura de Ollanta Humala no Peru é um desses casos. Derrotado em 2006 quando fundou sua estratégia na política de Hugo Chávez, Humala não repetiu a decisão no pleito presidencial seguinte (do qual saiu vitorioso). Nos meses que antecederam a votação nacional, procurou se afastar do venezuelano e associar sua imagem à criada por Lula na campanha de 2002.  Seu slogan era: “a esperança deve vencer o medo”. O caso foi parecido até mesmo na Bolívia, em 2009: no final da trajetória rumo à reeleição, Evo se referiu a Lula em discurso como “o melhor presidente da América Latina no momento”.
O sucesso de um suposto modelo brasileiro que integraria a estabilidade institucional a maciços programas de assistência social parece cativar mais as esquerdas do continente do que o programa estatizante venezuelano. Em parte, pode-se encontrar a razão para isto na abrangência discursiva do governo Lula, que conseguiu manter a associação às classes populares, sem parecer, no entanto, uma quebra revolucionária. Em parte há ainda o peso político do crescimento econômico brasileiro. Enquanto o Brasil apresenta uma taxa de desemprego de 6%, a menor desde 2002, a da Venezuela se concentrou acima dos 10% em janeiro deste ano.
Se nosso país vizinho experimentou uma profunda crise em seu setor elétrico entre 2009 e 2011, que ajudou a aprofundar os efeitos da crise econômica de 2008, nós discutimos no âmbito do Executivo e do Legislativo que destino dar à recém-descoberta do Pré-sal. Não à toa, o desemprego e a crise econômica ajudaram a oposição venezuelana a obter um terço das cadeiras do Parlamento nas eleições legislativas de setembro de 2010.
Porém, mais do que isso, talvez o recente sucesso da oposição nas urnas se explique por uma mudança de estratégia. Em 2006, na última eleição presidencial venezuelana, o candidato oposicionista, Manuel Rosales, ainda que tentasse criar uma imagem de político moderado, tinha contra si o fato de ter sido um dos signatários do Decreto Carmona. O documento instituía um governo provisório após o golpe de Estado de 2002 que depôs temporariamente Hugo Chávez, dando o poder do país ao empresário Pedro Carmona. Em sua plataforma, Rosales ainda reiterava seu compromisso de resguardar a propriedade privada, constantemente questionada pelo governo chavista, e de combater a criminalidade. O discurso conservador, defendido por ele parece não ter surtido efeito, tendo obtido apenas 36,90% dos votos.

Henrique Capriles é o candidato da oposição
Henrique Capriles é o candidato da oposição
Pleito de 2012
O novo candidato da oposição, Henrique Capriles Radonski, busca estabelecer uma nova imagem para a os antichavistas. Conduzindo sua campanha política a partir de grandes comícios, o político tenta conquistar o apoio de setores populares, habitualmente associados ao atual governante. Recentemente, chegou a anunciar que sua inspiração política é o ex-presidente Lula (que apoia a reeleição de Chávez).
Mas, desde já, uma polêmica ronda a candidatura de Capriles. Católico praticante, o opositor é, no entanto, de origem judaica: sua avó materna chegou a passar pelo Gueto de Varsóvia e seus bisavós morreram no campo de extermínio de Treblinka. O fato motivou uma campanha promovida pela mídia estatal venezuelana de que ele seria um agente sionista. Um exemplo desta acusação é o texto escrito por Adal Hernandez, publicado no site da Radio Nacional de Venezuela. Na coluna, Hernandez diz que Capriles teria uma plataforma oposta aos interesses nacionais e pede que os eleitores rejeitem o “sionismo internacional”. O Centro Simon Wiesenthal, com sede em Los Angeles, Califórnia, dedicado ao combate ao preconceito, anunciou que seu diretor de relações internacionais, Shimon Samuels, enviou uma carta ao presidente Hugo Chávez pedindo que ele evitasse posteriores ataques antissemitas contra Capriles.
Além das acusações de natureza religiosa, o oposicionista está sendo alvo de homofobia. Recentemente, Mario Silva, apresentador do La hojilla, um programa de entrevistas e análise política da rede de televisão estatal venezuelana, citou um boletim policial, no qual oficiais afirmariam ter testemunhado o candidato mantendo relações sexuais com outro homem. Capriles negou as alegações.

O ritmo da campanha
 De qualquer forma, a campanha já tomou as ruas, em especial depois da vitória de Capriles nas primárias da frente oposicionista Mesa da Unidade Democrática, que decidiram quem seria seu candidato. O fato de ter recebido mais de 62% dos votos não seria tão importante quanto o surpreendente número de votantes. Mais de três milhões de pessoas participaram das primárias de fevereiro e, destas, quase dois milhões votaram em Capriles. No dia 10 de junho, o candidato registrou oficialmente sua campanha à presidência, realizando uma caminhada de 10 km na capital Caracas, a frente de milhares de simpatizantes.
 Apesar de despontar como o favorito para as eleições de outubro, possuindo uma vantagem de 17% a 20% sobre Capriles - ao menos de acordo com a maioria dos institutos de pesquisa -, Chávez enfrenta especulações crescentes sobre seu estado de saúde. Tendo se ausentado do país por um considerável período de tempo, a fim de realizar em Cuba um tratamento contra o câncer, o presidente parece assumir um perfil de campanha mais discreto, realizando atos públicos breves e poucas viagens.
Na Venezuela não há voto obrigatório. Por enquanto, as pesquisas apontam que 20% da população vai se abster da participação. Por enquanto, é só esperar.

Por:   Alexandre Enrique Leitão