terça-feira, 26 de junho de 2012

A primeira Primavera Árabe



Filmado na década de 1960, Lawrence na Arábia dramatiza a história de um oficial britânico que lutou com os árabes durante a Primeira Guerra Mundial, em batalhas fundamentais para a derrocada do Império Turco Otomano



Lawrence da Arábia, 1962, Grã Bretanha
Dir.: David Lean

Peter O'Toole interpreta Lawrence
Peter O'Toole interpreta Lawrence

Um atraente homem louro se prepara para sair de casa. Diante dele, há uma moto e, na paisagem, os verdes campos britânicos. Decidido a ziguezaguear numa estrada de pedra, o piloto percebe alguém próximo da curva, desviando abruptamente. A cena muda. Agora, o filme nos leva ao funeral do rapaz, o tenente-coronel Thomas Edward Lawrence (1888-1935), o último grande aventureiro do imperialismo. No velório estão antigos colegas, superiores e subordinados, todos com visões discrepantes sobre a figura cuja importância histórica foi maior na península arábica do que na própria Inglaterra. Dirigido por David Lean, Lawrence da Arábia (1962) marca o fim da era dos épicos cinematográficos. Presente em várias das listas de melhores filmes do século XX, a película não é nem aventura nem drama. É uma espécie de drama filosófico, que une ação e melancolia.
Ali, somos apresentados à vida do oficial britânico que foi incumbido de liderar um exército árabe, capaz de criar confusão no interior do Império Turco Otomano, durante a Primeira Guerra Mundial. Fascinado pela tradição guerreira das tribos árabes, Lawrence se torna oficial de ligação entre o Império Britânico e os tuaregues muçulmanos, naquele que seria o front mais desprezado do conflito. É importante lembrar que a Primeira Guerra Mundial contrapôs França, Inglaterra, EUA e Rússia ao grupo das Potências Centrais: Alemanha, Império Austro-Húngaro e Império Otomano. Lawrence foi o primeiro a perceber a importância que os árabes teriam se, devidamente abastecidos pelos ingleses, pudessem lutar contra seus opressores turcos. Dotado de um profundo teor poético, Lawrence da Arábia não foi gravado nos estúdios Shepperton, como tantas produções britânicas da época, mas sim no Marrocos e na Jordânia. Toda a beleza das dunas e dos descampados rochosos está presente na fotografia de Lean.
Ainda que a areia e os montes desempenhem papel crucial na caracterização das batalhas, Lawrence continua sendo o grande enigma da trama. Perdido entre dois mundos, o inglês sabe que sua missão é servir ao governo de Sua Majestade, mas, impelido pelo seu amor à cultura árabe, acaba deixando de ser um oficial aliado para se tornar o efetivo líder do levante armado. A trama do estrangeiro que se insere numa cultura diferente de sua própria, ajudando-a a se libertar de um sistema opressor, é antiga e remonta ao período de formação de uma memória coletiva jungiana. Podemos identificá-la tanto nos mitos gregos, dos semi-deuses que, amando os humanos, sentem-se no dever de salvá-los; quanto em obras recentes, como o filme Avatar, de James Cameron, em que um ser humano é o único capaz de liderar a resistência da raça alienígena na’vi.
T. E. Lawrence nasceu no Reino Unido, em 1888
T. E. Lawrence nasceu no Reino Unido, em 1888
A diferença está na natureza complexa da relação que Lawrence mantém com a população da península. Ainda que ele queira ser um dos árabes com os quais luta, o paroxismo de sua situação é por eles reconhecido: para eles, o tenente-coronel será sempre o europeu fascinado pelo deserto, pelas lutas de cavalaria e cimitarra; enquanto os próprios combatentes pegam em armas para que sua região não seja apenas isso, tornando-se uma terra de desenvolvimento e ciência (tudo aquilo de que o jovem militar está tentando fugir).

 Respeito aos costumes
Quem dá vida a Lawrence é Peter O’Toole, que contracena com o egípcio Omar Shariff, na pele do Xerife Ali - um nobre árabe cujo sonho é modernizar sua terra natal a exemplo da democracia parlamentar britânica. Fazendo um contraponto à elite ilustrada representada por Shariff, temos o líder guerreiro Auda abu Tayi, interpretado por Anthony Quinn. Auda, apesar de não gostar de membros de outras tribos árabes, em especial daqueles que parecer negar as tradições de seu povo, envolve-se em acalorados debates com Ali. Ambos definem, assim, duas visões de mundo opostas, sendo uma voltada para o secularismo, a democracia e a aproximação com o Ocidente, e outra religiosa, tribal e, sobretudo, cínica acerca das benesses do mundo moderno. O filme demonstra, dessa forma, como as guerras de independência travadas nos desertos do Oriente Médio entre 1916 e 1918, foram um prenúncio das tensões sentidas ainda hoje naquela região. A necessidade de escolher entre um caminho democrático, ainda que aberto a influências ocidentais e outro, tão fechado quanto respeitoso aos costumes e à realidade imediata da população muçulmana.
Lawrence da Arábiaé uma tese sobre o desfecho das revoluções e a inevitabilidade do destino humano. Em seu ato final, Lawrence toma para si a responsabilidade de comandar uma assembléia de representantes árabes em Damasco, tentando provar que eles podem, sozinhos, resolver seus problemas. Porém, como diz um dos delegados presentes durante a sessão, haveria possibilidade de aqueles garbosos líderes governarem sem sequer saberem como fazer funcionar os geradores da cidade? Por mais valentes que tenham sido em seu levante, os comandantes árabes percebem que regime algum poderia constituir-se de maneira autônoma sobre o legado secular de isolamento ao qual foram submetidos. A impressão que fica é que as rebeliões e matanças ocorrem apenas para que a bandeira britânica, e não mais a turca, passe a ser erguida sobre os prédios das repartições públicas, entregues a empresas estrangeiras ao cabo do conflito. Resta a Lawrence, no banco do carona de um calhambeque militar, voltar à Inglaterra e à sua motocicleta, atravessando uma última vez a estrada tomada por caravanas tuaregues e abandonando a terra que tanto amou.  

Pula a fogueira, João!

Resistindo a disputas entre a Igreja e os ritos pagãos, o fogo do santo se manteve aceso e hoje alimenta “a mais brasileira das festas”


“Acende a fogueira, João nasceu!” Parece canto de festa junina, mas foi uma ordem dada por Isabel assim que deu à luz, naquele 24 de junho. Conta a tradição popular que o fogo foi a forma de comunicar o parto à sua prima, Maria, que estava em outro ponto do vale. Maria também estava grávida: seis meses depois, era a vez de Jesus vir ao mundo.
Além dos laços familiares, João tinha outras coisas em comum com o profeta que daria origem ao cristianismo. Como Maria, Isabel também engravidou contra todas as probabilidades. Não era virgem, mas dizia-se que estava estéril e tinha idade avançada quando concebeu o último filho. Ele se tornou um pregador e ficou conhecido por batizar os gentios nas águas do Rio Jordão. Mas quando o apontavam como o esperado Messias dos judeus, ele anunciava: “Eu, na verdade, batizo-vos com água, mas eis que vem aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar a correia das sandálias; esse vos batizará com o Espírito Santo e com fogo”. Referia-se ao primo.
Para ganhar de vez o apelido de “Batista”, realizou um feito capaz de fazer inveja a qualquer outro santo: abençoou o próprio Jesus, testemunhando em seguida a descida do Espírito Santo em forma de pomba – era o início da meteórica missão do “filho de Deus”.
As qualidades de João Batista lhe garantiram lugar de honra entre os santos católicos. Equiparando-se a Jesus, ele é o único do qual se comemora o dia do nascimento, e não o da morte. A diferença de seis meses entre eles inspirou uma clara demarcação no calendário cristão: se dividirmos o ano ao meio, metade é para Jesus (de junho a dezembro) e a outra metade para São João (de dezembro a junho).
Essa divisão tinha razão de ser. A Igreja vinha se esforçando desde o século XIV para doutrinar a população da Europa Ocidental, ainda muito afeita a rituais pré-cristãos, como os cultos solares e lunares associados à vida agrícola. Naquele continente, a diferença entre as estações é bem marcada por um contraponto: o solstício de verão – dia com maior duração da luminosidade do sol (21 de junho) –, e seis meses depois, o solstício de inverno – dia menos beneficiado pela luz solar (21 de dezembro). Entre os mais importantes cultos solares, registrava-se por toda a Europa a queima noturna de fogueiras no solstício de verão, para festejar a vitória da luz e do calor sobre a escuridão e o frio. A Igreja Católica adotou esses marcos cósmicos, atribuindo aos primos João e Jesus dois momentos de honra para seus nascimentos: o primeiro, perto do solstício de verão; o segundo, perto do solstício de inverno. Era uma maneira de dar novo significado às práticas pagãs relativas ao fogo.


Mas a mudança não foi suficiente para superar o incômodo que as fogueiras populares provocavam entre os religiosos. Elas representavam a perdição, a destruição das obras do Criador. Sem falar que as festas do fogo eram consideradas excessivamente licenciosas, inclusive no sentido da liberação sexual. Eis uma tarefa difícil: como subjugar o fogo e seu simbolismo carnal? Primeiro vieram as tentativas de erradicação. Os fogos eram perseguidos localmente por monges e bispos obstinados em acabar com todos os ritos pré-cristãos. Somente no Concílio de Trento (1545-1563) a Igreja encontrou uma solução: as fogueiras de solstício passaram a ser admitidas como “fogos eclesiásticos”. Para isso, foram banidos todos os sentidos que a Igreja Católica chamava de “superstições”. A fogueira, agora, era sinônimo de purificação – qualidade que a transformou em símbolo das execuções da Inquisição.

Os fogos atravessaram os séculos e cruzaram os oceanos sem se apagar. E se a população europeia não associava a festa do fogo e da luz ao santo Batista – visto como homem austero, comedor de mel e gafanhotos –, na nova colônia portuguesa a mensagem vingou rapidamente, ainda no século XVI, graças ao trabalho dos jesuítas. Prova disso está nos Tratados da Gente e da Terra do Brasil, escritos em 1584 por Fernão Cardim: “Três festas celebram estes índios com grande alegria, aplauso e gosto particular. A primeira é as fogueiras de São João, porque suas aldeias ardem em fogos, e para saltarem as fogueiras não os estorva a roupa, ainda que algumas vezes chamusquem o couro”.

A fogueira, as luzes e os fogos de artifício impressionavam e despertavam a simpatia dos nossos nativos, ajudando na aproximação entre índios e religiosos. Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil (1627), conta que os índios “só acodem com muita vontade nas festas em que há alguma cerimônia, porque são mui amigos de novidades, como no dia de São João Batista, por causa das fogueiras e capelas”. Amigos de novidades e velhos amigos do fogo, como atestou o francês Jean de Léry, que conheceu os tupinambás no século XVI e acompanhou uma festa na aldeia em que usavam “uma vara de madeira (...) em cuja extremidade ardia um chumaço de petum [tabaco] e voltavam-na acesa para todos os lados soprando a fumaça contra os selvagens [nesse caso, os caraíbas]”.
Imagem: Museu de Arte Naif
Imagem: Museu de Arte Naif
Mas foi nas áreas urbanas que a festa de São João se tornou um acontecimento de sucesso, ligando os dois principais eixos da vida social: as ruas e as igrejas. Nos dias santificados, as cidades se iluminavam enquanto o chão das ruas era decorado e as janelas, enfeitadas com tecidos e potes de flores. As igrejas reuniam o público em encontros esporádicos para os quais todos acorriam, desejosos de ver e serem vistos, mas também para conversar, assistir às representações teatrais de cantos e danças.

Por causa da herança de influências pagãs de sua ancestral portuguesa, a festa de São João era palco de tensões políticas e sociais. As adivinhações, os batismos e casamentos de fogueira desagradavam às autoridades. No final do século XVII, o arcebispo da Bahia editou uma versão local das decisões do Concílio de Trento na qual recomendava “aos padres e outras pessoas que cuidam das igrejas” que “elas sejam por ocasião destas noites bem iluminadas, e que eles sejam vigilantes para que no seu interior não haja motivo de escândalo”. Por precaução, as rezas, missas e vigílias de velórios foram suspensas à noite. Tudo passou a ser estritamente vigiado de modo a não permitir excessos. Mesmo assim, várias desobediências às ordens do clero e do rei eram registradas pelas autoridades. Os fogos de artifício e as fogueiras estavam proibidos desde 1641, em ordem que seria constantemente renovada, atravessando até mesmo o século XX. E constantemente desrespeitada.

Não se deve pensar que a Igreja ficava apenas nas ameaças. Em 1769, o Santo Ofício condenou uma mulher à morte por predizer casamentos olhando os contornos do desenho feito pela clara de um ovo quebrado dentro de um copo, em noite de São João.

Em 1808, ao chegar ao Brasil, a Corte portuguesa trouxe consigo vários hábitos festivos, dando novo vigor às celebrações urbanas, inclusive as religiosas. Portugal tinha grande reputação pela beleza dos seus fogos de artifício. Também foram adaptadas músicas e danças de salão. A mais conhecida delas resiste até hoje como símbolo da festa: é a quadrilha junina.

A princípio, esta dança não era exclusiva do mês de junho. Animava também nossos carnavais e era especialmente apreciada nos círculos sociais da monarquia. O próprio D. Pedro II a acompanhava com gosto nos bailes solenes. Quando os hábitos da realeza saíram de moda, no início do período republicano, a quadrilha deixou de ser vista nos centros urbanos. Mas continuou sendo dançada em localidades menos importantes. Só voltaria à cena nos anos 1950, com o crescimento da industrialização e das migrações em massa do interior para as grandes cidades. É quando ocorre um fenômeno curioso: no lugar dos elegantes nobres de outrora, os protagonistas da dança feita aos pares são agora os “matutos”, os caipiras.

A figura do homem interiorano, com seus traços, suas roupas e seus trejeitos, assume lugar central na festa de São João, mas estereotipada pelo olhar urbano, seguindo uma tradição que vem desde o Jeca Tatu de Monteiro Lobato,  esboçada no livro Urupês (1918) e consolidada na propaganda do Biotônico Fontoura. Outros personagens reforçariam essa imagem, como o Jeca Tatu dos filmes de Mazzaropi e o Chico Bento, criado em 1961 e publicado em histórias em quadrinhos de Mauricio de Souza.

Dotado de traços positivos como a ingenuidade e o bom coração, o homem do interior é considerado “mais puro” que o da capital. Ele representa a nostalgia e a idealização do passado dos migrantes que hoje vivem nas cidades. Mas a homenagem não chega a alterar sua posição na estrutura social: depois da festa, ninguém deseja assumir aquela caricatura. O matuto é apenas o “bufão” da cidade.

E foi assim que o São João tornou-se “a mais brasileira das festas”, nas palavras de Roger Bastide (1898- 1974), famoso antropólogo francês que viveu em nosso país na primeira metade do século XX. Entre fogueiras, balões, danças, brincadeiras, música e muita comida, sempre sobra um espaço para o santo: lá está ele, representado em forma de menino, de cabelos encaracolados, carregando um cordeirinho nos braços. Inocente criança que dorme, e que a festa – licenciosa e profana, por mais que a Igreja tente impedir – quer despertar com seus fogos e rojões: “Acordai, João!”

Por: Luciana Chianca é professora de Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autora do livro A festa do interior (Natal: EDUFRN, 2006).

Caruaru explode de alegria na ‘Noite das Fogueiras Ardentes’


Caruaru explode de alegria na ‘Noite das Fogueiras Ardentes’

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No Alto do Moura, A aposentada Selizete Barros reúne família em volta da fogueira há 17 anos.
Famílias se reúnem em volta da fogueira para festejar o São João.
Texto de Thomás Alves
Aquela imagem saudosista da família que se reúne em volta da fogueira, para festejar o São João, ainda é muito vivenciada em Caruaru, Pernambuco. Na cidade que já registra mais de 300 mil habitantes, em meio ao crescimento e modernidade, a tradição chama atenção. Nos bairros, muita gente ainda contribui para não deixar apagar as chamas da “Noite das Fogueiras Ardentes”- como é chamado o costume na cidade.
Um dos locais onde pode se encontrar um grande número de fogueiras é no Alto do Moura, terra de Vitalino – mestre da arte do barro. Na avenida que leva o mesmo nome do artista, a família da aposentada Selizete Barros mantém o encontro marcado há 17 anos. Em casa, ela consegue reunir três gerações dos parentes, para assar milho na fogueira e celebrar em confraternização.
“Para mim, isto é a maior alegria que Deus poderia me dar. Porque, dessa forma, consigo reunir minha família, que é muito grande. Eu tenho 10 filhos, 13 netos e 11 bisnetos. Aqui, só não veio um dos meus filhos,que mora em outra cidade. Isso é tradição e eu faço todos os anos. A única vez que deixei de acender fogueira, foi quando meu marido morreu. Mas, junto com minha família, eu consegui superar isso. Hoje, a festa também é importante para suprir a falta que ele me faz”, relatou Selizete Barros.
Ainda no Alto do Moura, outra família se reúne no calor da fogueira, só que com um atrativo a mais: os fogos de artifício. A família da dona de casa Hilda Rodrigues se diverte. O responsável pela folia é o artesão Samuel Rodrigues. “Eu gosto, principalmente, dos que brilham no céu porque eles são mais divertidos e todos da rua podem apreciar. Assim, vem gente que nem da família é”, disse.
Para Hilda, mãe de Samuel, é um dos dias mais alegres. “São 70 pessoas reunidas. Todo mundo brinca junto, come, dança e conversa junto. É uma sensação muito boa. Dá muito orgulho e uma sensação deconforto”, comentou.
Fogueiras
O grande número de fogueiras acesas já era esperado. É que, durante o dia, os vendedores de lenha estavam animados com o movimento e o lucro das vendas. Na Rua Rui Barbosa, no centro de Caruaru, a fogueira era vendida a partir de R$15. “Foi ótimo. O povo procurou bastante. Além de muita gente querer manter a tradição, há bastante opção, de todos os preços”, relatou Edilson de Lima Santos, vendedor.
Programação junina
Além das fogueiras, tem quem prefira sair de casa para curtir a programação junina de Caruaru. A cidade está lotada por causa da variedade de eventos. No Pátio de Eventos Luiz Gonzaga – principal polo junino – se apresentam a banda Brasas do Forró, o cantor caruaruense Azulão (um dos homenageados da festa), Jorge de Altinho, Santanna e Forró da Pegação. No local, a festa começa às19h30.
Há também programação na antiga estação ferroviária. O local é um aglomerado cultural e reúne polo do repente, polo alternativo, palhoção para quadrilhas e palhoça pé-de-serra. Além disso, há uma cidade cenográfica, com atividades e personagens juninos, que interagem com o público. [Fonte: G1]

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Impeachment Paraguaio


Impeachment relâmpago do presidente Fernando Lugo tira o Paraguai do esquecimento internacional. A crise política é resultado de uma longa história de furos na democracia e de enriquecimento da elite às custas da população



Ele não é litorâneo, nem andino; e está acostumado ao ostracismo internacional desde os tempos da colonização, quando os esforços europeus se dirigiram aos metais preciosos, às produções agrícolas e às cidades de porto. Hoje, o Paraguai está no centro das discussões políticas latino-americanas. Não pelo sucesso, mas pela crise: o impeachment relâmpago do presidente Fernando Lugo, na última sexta-feira (22), e a ascensão ao poder do vice, Frederico Franco (que já foi presidente em outra ocasião), gerou muita desconfiança dos países membros do Mercosul, que o isolaram economicamente. O país agora está num cerco que remete àquele feito há mais de cem anos, na Guerra do Paraguai [veja o artigo de Leslie Bethel, Todos contra o Paraguai]. Para se entender a cena social, política e econômica de hoje, precisa-se voltar um pouco no tempo.
A Guerra do Paraguai – ou contra o Paraguai – aconteceu na segunda metade do século XIX e constituiu-se na maior guerra da história da América do Sul, com violência e extensão assustadoras para os padrões da época. Após cinco anos de lutas o Paraguai passou à periferia da América a quem temos dedicado incansável esquecimento. Em 1894, por exemplo, Machado de Assis ironicamente perguntava em uma de suas crônicas: “A comissão uruguaia está trazendo medalhas comemorativas da campanha do Paraguai, não sendo propriamente antiga, fala de coisas velhas aos moços. Campanha do Paraguai! Mas então, houve alguma campanha do Paraguai? Onde fica o Paraguai?”. Com a economia devastada – sem recursos ou empréstimos para reequipamento – e com subnutrição e epidemias de todo tipo, o Paraguai tornara-se um país de sobreviventes, sobretudo indígenas, “bárbaros” confusos e dispersos em seu próprio território.  

Fernando Lugo em discurso após o impeachment
Fernando Lugo em discurso após o impeachment

O Paraguai de Stroessner
As relações com o Brasil só tornariam ao centro das discussões no contexto dos esforços paraguaios de integração regional e mundial iniciados nos anos de 1960, que tiveram como marco a construção da hidrelétrica de Itaipu, no rio Paraná. À época, estava no poder o general Alfredo Stroessner, que governou durante 35 anos (1954 a 1989) após um golpe de Estado. Stroessner poderia muito bem ter seu governo comparado ao dos ditadores africanos que enriqueceram, assim como seus partidários, à custa do empobrecimento e sacrifício da maior parte da população. Ambicioso, o projeto de construção da usina hidrelétrica de Itaipu gerou algumas fortunas aos companheiros do general e tornou mais dócil o até então imprevisível exército.
Ex-presidente Stroessner estampado em selo
Ex-presidente Stroessner estampado em selo
Por outro lado, o Partido Colorado teve suas alas moderadas expulsas, enquanto a extrema direita avançava e tornava quase obrigatória a filiação de todos os servidores públicos. Assim, uma estranha democracia, bestializadora diriam alguns, deu a vitória ao general Stroessner nos oito pleitos eleitorais seguintes e distribuiu recursos, rendas fundiárias e energéticas às suas clientelas. Destaque-se ainda a fundação, em 1957, da cidade Puerto Presidente Stroessner, mais tarde denominada Cidade do Leste, na divisa com o Brasil e separada de Foz do Iguaçu pela ponte internacional chamada coerentemente de “Ponte da Amizade”. O livre comércio de produtos asiáticos converteu a região no paraíso da ilegalidade e do contrabando, fomentando uma imagem internacional do Paraguai ligada às mercadorias de baixa qualidade e preço, porém mais acessíveis aos desejosos da aparência inclusiva que a posse de certos artigos, especialmente eletrônicos, pode fornecer nos países hoje ditos em desenvolvimento.

O Paraguai hoje
Desigualdade social e fundiária, baixo grau de acesso à educação e saúde de qualidade, altos índices de corrupção política e econômica, e mão de obra vendida a preço vil. Foi este quadro tão perverso quanto comum nos países latino americanos, que Fernando Lugo se comprometeu a romper durante a campanha presidencial de 2008. Bispo católico com algumas denúncias de paternidade no currículo e experiência política reduzida à militância junto aos movimentos sociais na diocese de San Pedro, uma das regiões mais pobres do país, Lugo tornou-se chefe do executivo paraguaio prometendo viabilizar reforma agrária "projetada e negociada com todos os atores envolvidos, sem processos traumáticos nem violentos".
Mapa do Paraguai
Mapa do Paraguai
Caso estivesse vivo para contar essa história, Salvador Allende, presidente chileno morto em 1973, dentro do Palácio La Moneda, talvez lhe dissesse que vias pacíficas e constitucionais para transformações profundas e redistributivas não são tão simples. Dividido entre o controle dos grupos de camponeses que invadiam propriedades na região agrícola mais rica do Paraguai, na fronteira com Brasil e Argentina, e os fazendeiros e políticos de oposição que denunciavam a violência das tomadas de terra e emperravam qualquer medida parlamentar de reforma agrária, o presidente Lugo isolou-se politicamente e tornou-se alvo fácil de uma democracia made in Paraguai. Foi acusado e teve teoricamente 18 dias para se defender – o veredito saiu de uma decisão política e não popular. Mas, em dois dias, correram a abertura do processo, a acusação, defesa, julgamento e condenação.
“Como sempre atuei no marco da lei, embora essa lei tenha sido torcida como um frágil ramo ao vento, me submeto à decisão do Congresso e estou disposto a responder sempre por meus atos como ex-mandatário nacional”. A declaração de Lugo ao deixar a presidência do Paraguai invoca a legalidade como estratégia de defesa e justificativa, recurso comum entre direitas e esquerdas latino-americanas. Em 1964, no Brasil, o presidente João Goulart e seu governo trabalhista foram golpeados por ação civil-militar que deu início a uma longa ditadura. Também estavam em pauta projetos de reforma agrária, redistribuição de renda e a salvaguarda da legalidade constitucional defendida como projeto e desprezada como processo.
Talvez seja o momento de mudarmos o discurso e repensarmos uma das questões fundamentais do pensamento político moderno: a raiz e a fortaleza da democracia, a soberania popular. Ao bom investigador não faltam indícios das fragilidades jurídicas da sociedade e de sua ineficiência no exercício pleno da soberania popular. Sinais de que nos meandros das crises podemos encontrar o caminho para a modernização não mais das instituições, da técnica e dos procedimentos, mas do significado da política e do espírito democrático.
Por: Nashla Dahas

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Rio + 20


Sob o signo da crise


Em entrevista à RHBN, o diplomata Rubens Ricupero fala sobre as diferenças e semelhanças entre a Rio 92 e a Rio+20



     No momento em que o Brasil recebe uma grande conferência sobre o meio ambiente, o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal (1993-1994), faz um balanço sobre o tema desde a Rio 92.
REVISTA DE HISTÓRIA O pensamento sobre o meio ambiente mudou nos últimos 20 anos?
RUBENS RICUPERO Mudou muito, tanto o contexto externo quanto o problema ambiental em si. No que diz respeito ao contexto externo, 1992 era o período imediato após a queda da União Soviética. O mundo precisava caminhar para uma convergência em termos de democracia. Foi um período econômico de muita esperança, e hoje o contexto internacional é desfavorável – há guerras no Oriente Médio, crise financeira afetando grandes países. Quanto ao problema ambiental, naquele momento de esperança a Rio 92 tomou como ponto de partida a possibilidade de grandes mudanças – assinaram a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e a Convenção da Biodiversidade.
RH E houve mudanças nesse sentido?
RCNão. Em 1997, assinou-se o Protocolo de Kyoto – ele teve uma recepção muito parcial e mesmo este resultado está hoje sendo ameaçado. No que diz respeito à biodiversidade, também não houve avanço; há dificuldade nas negociações. A Rio+20 se abre de uma maneira mais sóbria: sob o signo da crise. Antes, em 92, abria-se sob o signo da esperança. A Rio+20 acontece com a constatação de que, 20 anos após a outra reunião, o progresso foi pequeno, tanto em matéria de ritmo de emissões de gás quanto em matéria de extinção de espécies.
RH Aonde se pretende chegar com as discussões da Rio+20?
RC Tenta-se chegar ao mesmo objetivo pelo mesmo caminho: o da economia verde. Querem aumentar a energia limpa renovável, pobre em carbono. Esta é uma forma indireta de se chegar ao mesmo resultado, tentando encontrar o próprio incentivo, sem impor limites, como foi feito da outra vez. Resta ver se vai prosperar.
RH A ausência da maioria dos chefes de Estado no encontro pode prejudicar o avanço prático das discussões sobre o desenvolvimento sustentável?
RC A ausência deles influi muito, mas não se pode generalizar. Espera-se que venham 50.000 pessoas ao Rio de Janeiro, mas, mesmo que chegue a isso, serão militantes do movimento. Embora seja impressionante, não quer dizer que movam as marchas. Tanto é assim que até hoje o tema ambiental, mesmo nos países onde há partidos verdes, não é um tema decidido em política. No Brasil, menos ainda. Uma pequena parcela da sociedade está consciente e fica completamente anulada no Congresso. A impressão que se tem é que vai ser necessário um fato novo no futuro para motivar a vontade política. Talvez a seriedade do problema possa motivar. No momento, a coisa parece estar num ponto morto. Difícil ver como essa conferência vai modificar a opinião pública.

Kagemusha - A Sombra do Samurai






Kagemusha, a sombra do samurai, 1980. Japão
Dir.: Akira Kurosawa

     "É preciso que as coisas mudem de lugar para que permaneçam onde estão". A frase é de outro filme – O Leopardo, de Luchino Visconti -, mas pode ser usada para descrever o ambiente que Akira Kurosawa brilhantemente dirige em “Kagemusha, a sombra do samurai”. Na película, Kurosawa narra o conturbado período de guerra civil japonesa nos anos de 1573 a 1575, devido à disputa entre três clãs (Nobunaga, Tokugawa e Takeda) pelo poder. O desejo dos grupos era dominar Kioto: a conquista da cidade significava a liderança por todo o território nipônico.  O filme - que contou com o apoio financeiro de Francis Ford Coppola e George Lucas – estreou em 1980, virou sucesso mundial em pouco tempo. Além de grande bilheteria, conquistou diversos prêmios, entre eles a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
     Parte das suas referências é real. Desde o século X aconteciam disputas sangrentas pela região. Em 1542, houve transformações que mudaram o caráter desses conflitos: a chegada dos mercadores portugueses com novas tecnologias de guerra. As primeiras armas de fogo foram introduzidas no combate, assim como uma nova religião com os jesuítas, mas nem todos os clãs incorporaram essas modificações. O clã Nobunaga aparece como aquele que se modernizou. Há uma cena que descreve bem essa apropriação do ocidente, em que o chefe e suas tropas saem dos seus domínios e há um padre rezando por eles. O senhor de guerra acena e responde com a palavra “Amém”.
     Partindo desse rico contexto, Kurosawa escolhe dar especial atenção ao clã Takeda. Após Shingen (Tatsuya Nakadai), chefe desse clã, ficar gravemente ferido, ele ordena aos seus conselheiros que, caso ele morra, a morte seja ocultada por pelo menos três anos. Exige ainda que não haja deslocamento na guerra, para que se preserve seus domínios. Com o seu falecimento, seus desejos são realizados. Para isso, eles se utilizam de um sósia, um ladrão que ia ser morto, mas que por sua semelhança com o falecido, termina sendo salvo e posto nesse lugar de extrema responsabilidade. O segredo deve ser mantido diante dos inimigos e do exército e membros de Takeda.


     A partir desse ponto, várias são as metáforas para indicar a imobilidade do clã. Kagemusha no Japão significa sombra. A palavra é bem curiosa. Diante desse mundo já descrito de intensas transformações, a sombra do líder permanece ali na figura do sósia. Todo um mundo mítico que já estava desaparecendo tenta ser recuperado pelos personagens, que querem preservá-lo mesmo que as mudanças sejam avalassadoras. O lema do clã - “Veloz como o vento, silencioso como a floresta, feroz como o fogo e imóvel como a montanha” - é bastante revelador, nesse sentido. As três primeiras qualidades se referem ao exército, mas a última é do chefe, que permanece imóvel olhando pelos seus amos. Embora Shingen seja realmente a figura mais poderosa do clã, ele é usado como um símbolo em torno do qual toda a velha ordem gira.
     O sósia – que nunca nos é revelado o seu verdadeiro nome – deve permanecer projetando a figura da montanha. O ladrão é empurrado para viver esse papel, guiado pelo irmão do líder, Nobukado Takeda (Tsutomu Yamazaki) e um pequeno grupo de empregados. Apenas viver à sombra de seu líder é a orientação, agir como tal, enfrentar suas rotinas, imitar seus gestos, enganar amos como ele - e em alguns pontos do filme, é possível vê-lo se enganando. Os seus passos estão todos definidos. Para ele não resta nenhuma possibilidade de ação. É a total supressão de sua identidade a favor do clã que precisa ser preservado no nome da figura de Shingen. Devagar, no entanto, o kagemusha percebe que há uma enorme responsabilidade na sua figura, mas nada em suas mãos. A sombra nunca realmente entende o seu papel.
     “Kagemusha” chama atenção por sua fotografia belíssima. Legado de uma carreira artística do diretor que, antes de entrar no mundo do cinema, era um pintor muito talentoso. Algumas das cenas do filme foram inspiradas em suas pinturas: as cores das batalhas e os detalhes da cenografia de guerra refletem o tom e o traço dos pincéis. É uma história de guerra repleta de aventura, símbolos, ritos e tradições. É também um filme sobre um clã em decadência devido a sua resistência diante de um mundo em transformação. É uma obra-prima que discute muitos temas por meio de um período fascinante do Japão.





segunda-feira, 18 de junho de 2012

O Mundo sem Ninguem - History Channel

O MUNDO SEM NINGUÉM


As piramides talvez existam para sempre. As cidades vão desaparecer. Nossas maiores obras primas vão desmoronar e desaparecer. E nossas garrafas de plástico formarão enormes ilhas flutuantes vagando pelos oceanos por milênios.A medida que o aquecimento global e a exaustão dos recursos naturais se tornam mais prementes, é importante considerar como podemos reduzir nosso impacto sobre o planeta. O MUNDO SEM NINGUEM leva em conta a redução total do nosso impacto: o desaparecimento do ser humano. 

Opinião do Educa Tube: 
Em abril de 2008, assisti a um documentário incrível, no canal por assinatura History Channel, intitulado O MUNDO SEM NINGUÉM, em que especialistas mostram o que aconteceria ao planeta Terra, caso a humanidade desaparecesse. É mostrada de forma didática como as coisas vão se deteriorando, de obras, construções a mídias, livros, e tudo que não foi gravado na pedra, graças a corrosão e intempéries, em função da falta de manutenção e conservação. 
É um vídeo instigante de 120 minutos, em que são mostradas por etapas essas transformações: o que sobreviveria até 50 anos, após o desaparecimento da humanidade, depois 100 anos, 500, 1000, 10.000. 
Um tema que me interessa muito e que já li e escrevi a respeito, em artigos de opinião e obra ficcional. 
No conto A ESCAVAÇÃO, do livro Realidade Virtual (2004), ambos de minha autoria, já falei sobre essa questão, de uma civilização sobrepor-se a outra e deixar apenas vestígios do que já foi (algo meio bíblico: do pó viesses e ao pó voltarás?). 
No documentário em questão, um dos entrevistados comentou que "é incrível que com todo esse avanço tecnológico, a humanidade ainda não criou uma forma de deixar sua história registrada e sobrevivendo, que não seja através da escrita na pedra" (ou algo nesse sentido), o que concordo plenamente. Se houvesse um hecatombe, daqui a meio ou um século, DVDs, CDs, vídeos, fitas de áudio, nada existiria mais, e se algum extraterrestre pousasse aqui, diria que esse mundo nunca teve vida inteligente (o que eu concordaria, se levado em conta os gastos assombrosos em armamentos e corrupção, e a ínfima parte de qualquer orçamento pra educação, saúde, segurança, etc. das populações de todos os países). Num panorama como este, os visitantes do além, quando muito, encontrariam ruínas de estranhos monumentos em pedra e seus "hieróglifos". 
Saindo um pouco da ficção e adentrando na realidade circundante, li certa vez notícia que tratava da opinião de especialista, abordando um suposto fim da Sociedade de Consumo em que vivemos, a partir de radical mudança climática, que forçará também a mudarmos nosso modo de vida. 
Enfim, um documentário para refletir e repassar aos amigos, colegas, alunos, para debater sobre o mundo ainda conosco e suas possibilidades de extinção (senão da humanidade, mas de seu modo inconseqüente de existência). Usem nessa discussão, palavras-chave como: tecnologia, informática, ambiente, ecossistema, educação.





domingo, 17 de junho de 2012

1808: a chegada da Família Real ao Brasil


Em 1808, ocorreu um fato único na História: a transferência de um governo metropolitano europeu para sua colonia. Por 14 anos, a cidade do Rio de Janeiro se transformou na sede do império português, mudando os rumos do processo político, cultural e econômico do Brasil.

Portugal luta para sobreviver
     Nos primeiros anos do seculo XIX, Portugal era um Estado atrasado em relação às grandes potências europeias. O país tentava manter sua independência e a integridade de seu vasto império colonial em meio à guerra que opunha França e Inglaterra. Os franceses pressionavam a Coroa portuguesa para que aderisse ao Bloqueio Continental imposto por Napoleão Bonaparte, ou seja, que fechasse seus portos aos navios ingleses. A Inglaterra, com quem Portugal mantinha uma tradicional aliança, exigia que lisboa ignorasse as ameaças de Napoleão e liberasse o comércio colonial aos navios ingleses.
     Para Portugal, o eficiente exército francês representava uma ameaça real de invasão ao seu territorio, enquanto a poderosa marinha inglesa ameaçava a integridade de seu império colonial, incluindo a mais rica e lucrativa das colônias, o Brasil.
Em meados de 1807, Napoleão deu um ultimato ao governante português, o príncipe regente Dom João: ou Portugal aumentava sua participação na liga anti-inglesa ou o reino seria invadido.
     Entre ver o reino invadido ou perder as colônias, a Coroa portuguesa optou por salvar o império, aliando-se aos ingleses. Napoleão cumpriu a ameaça de invadir Portugal. Incapaz de resistir ao invasor, e antes que as tropas francesas ocupassem Lisboa, Dom João fugiu de Portugal, transferindo a Corte para o Brasil.
Chegada da Família Real de Portugal. Óleo sobre tela de Geoff Hunt, 1999. Royal Society of Marine Artists. Coleção particular.

     Para que você possa compreender melhor visite o site abaixo. É um especial elaborado por Laurentino Gomes jornalista e autor dos livros 1808, sobre a fuga da família real portuguesa para o Rio de Janeiro, e 1822, sobre a Independência do Brasil.


quarta-feira, 6 de junho de 2012

A lista dos acusados de tortura


Dos papéis de Luiz Carlos Prestes consta um relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil, de 1976. O documento traz uma lista de 233 torturadores feita por presos políticos em 1975



O acervo pessoal de Luiz Carlos Prestes, que será doado por sua viúva, Maria Prestes, ao Arquivo Nacional, traz entre  cartas trocadas com os filhos e a esposa, fotografias e documentos que mostram diferentes momentos da história política do Brasil. Entre eles, o “Relatório da IV Reunião Anual do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, datado de fevereiro de 1976.
 
Neste período Prestes vivia exilado na União Soviética e, como o documento não revela quem são os membros deste Comitê, não se pode afirmar que o líder comunista tenha participado da elaboração do relatório. De qualquer forma, é curioso encontrá-lo entre seus papéis pessoais.
 
O documento é dividido em seis capítulos, entre eles estão “Mais desaparecidos”, “Novamente a farsa dos suicídios”, “O braço clandestino da repressão” e “Identificação dos torturadores”, que traz uma lista de 233 militares e policiais acusados de cometer tortura durante a ditadura militar. Esta lista foi elaborada em 1975, por 35 presos políticos que cumpriam pena no Presídio da Justiça Militar Federal. Na ocasião, o documento foi enviado ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Caio Mário da Silva Pereira, mas só foi noticiado pela primeira vez em junho de 1978, no semanário alternativo “Em Tempo”. Segundo o periódico, “na época em que foi escrito, o documento não teve grandes repercussões, apenas alguns jornais resumiram a descrição dos métodos de tortura”. O Major de Infantaria do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra é o primeiro da lista de torturadores, segundo o relatório. A Revista de História tentou ouvi-lo, mas segundo sua esposa, Joseita Ustra, ele foi orientado pelo advogado a não dar entrevista. “Tudo que ele tinha pra dizer está no livro dele”, diz ela, referindo-se à publicação “A verdade sufocada: a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça” (Editora Ser, 2010).
 
A repercussão da lista em 1978
 
A Revista de História conversou com um jornalista que integrava a equipe do “Em Tempo”.  Segundo a fonte – que prefere não ser identificada – a redação tinha um documento datilografado por presos políticos. Era uma “xerox” muito ruim do texto, reproduzido em uma página A4. Buscando obter mais informações sobre o documento, os jornalistas chegaram ao livro “Presos políticos brasileiros: acerca da repressão fascista no Brasil” (Edições Maria Da Fonte, 1976, Portugal). Depois desta lista, o “Em Tempo” publicou mais duas relações de militares acusados de cometerem tortura.
 
Na época, a tiragem do semanário era de 20 mil exemplares, rapidamente esgotada nas bancas, batendo o recorde do jornal. A publicação fechou o tempo para o jornal, que sofreu naquela semana dois atentados. A sucursal de Curitiba foi invadida e pichada. Na parede, os vândalos deixaram a marca em spray “Os 233”. O outro atentado aconteceu na sucursal de Belo Horizonte: colocaram ácido nas máquinas de escrever. Na capital mineira, a repercussão foi maior porque os militantes de esquerda saíram em protesto a favor do jornal. O próprio “Em Tempo” publicou esses dois casos, com fotos.
 
Os autores da lista
 
As assinaturas dos 35 que assumem a autoria também foram publicadas no “Em Tempo”. Hamilton Pereira da Silva é um deles.  O poeta – conhecido pelo pseudônimo Pedro Tierra e hoje Secretário de Cultura do Distrito Federal – fez questão de conversar com a Revista de História sobre o assunto, afirmando que a lista não foi fechada em conjunto. Os nomes e funções dos torturadores do documento teriam sido informados pelas vítimas da violência militar em momentos distintos de suas vidas durante o cárcere.
 
“Essas informações saíam dos presídios por meio de advogados ou familiares. A esquerda brasileira, neste período, não era unida, era formada por vários grupos isolados, que não tinham muito contato entre si por causa da repressão”, conta Tierra. “Quando a lista foi publicada no ‘Em Tempo’, eu já estava em liberdade. Sei que colaborei com dois nomes: o major, hoje reformado, Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o capitão Sérgio dos Santos Lima – que torturava os presos enquanto ouvia música clássica”.
 
Hamilton lembra ainda que, após a publicação da lista no periódico, a direita reagiu violentamente realizando ataques a bomba em bancas de jornal e até uma bomba na OAB, além de ameaças à sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
 
Em 1985, já em tempos de abertura política, a equipe do projeto Brasil: Nunca mais divulgou uma lista de 444 nomes ou codinomes de acusados por presos políticos de serem torturadores. Organizado pela Arquidiocese de São Paulo, o trabalho se baseou em uma pesquisa feita em mais de 600 processos dos arquivos do Superior Tribunal Militar de 1964 a 1979. Os documentos estão digitalizados e disponíveis no site do Grupo Tortura Nunca Mais.
 
Entre os autores da lista de acusados de tortura feita em 1975, além de Hamilton Pereira da Silva, estão outros ex-presos políticos que também assumem cargos públicos, como José Genoino Neto, ex-presidente do PT e assessor do Ministério da Defesa, e Paulo Vanucchi, ex-ministro dos Direitos Humanos e criador da comissão da verdade. Os outros autores da lista são: Alberto Henrique Becker, Altino Souza Dantas Júnior, André Ota, Antonio André Camargo Guerra, Antonio Neto Barbosa, Antonio Pinheiro Salles, Artur Machado Scavone, Ariston Oliveira Lucena, Aton Fon Filho, Carlos Victor Alves Delamonica, Celso Antunes Horta, César Augusto Teles, Diógenes Sobrosa, Elio Cabral de Souza, Fabio Oascar Marenco dos Santos, Francisco Carlos de Andrade, Francisco Gomes da Silva, Gilberto Berloque, Gilney Amorim Viana,Gregório Mendonça, Jair Borin, Jesus Paredes Soto, José Carlos Giannini, Luiz Vergatti, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Manoel Porfírio de Souza, Nei Jansen Ferreira Jr., Osvaldo Rocha, Ozeas Duarte de Oliveira, Paulo Radke, Pedro Rocha Filho, Reinaldo Moreno Filho e Roberto Ribeiro Martins.

A seguir, a reprodução de parte do “Relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, com as páginas que trazem os 233 nomes dos acusados de praticarem tortura direta ou indiretamente.



          

       


    





            


 


                


 


               


 



Fonte: revistadehistoria.com.br
Por: Alice Melo e Vivi Fernandes de Lima