Ao desvendar o universo visual de seu cotidiano, o aluno vai conhecer melhor a si mesmo, compreender sua cultura e ampliá-la com a de outros tempos e lugares
Experimente contar quantas imagens você vê diariamente. São construções em diversos estilos, carros de vários modelos, pessoas vestidas cada uma a seu gosto. Há ainda a poluição visual das cidades, com propagandas e pichações, a televisão, a internet, as fotos de jornais e revistas... Alunos e alunas usam adereços nos cabelos e enfeitam cadernos com ilustrações de todo tipo. Muitas vezes isso passa despercebido e parece não ter sentido. Ledo engano. Esses elementos visuais estão carregados de informações sobre nossa cultura e o mundo em que vivemos. Portanto, têm muito a ensinar.
A cultura visual - nome desse novo campo de estudo - propõe que as atividades ligadas à Arte passem a ir além de pinturas e esculturas, incorporando publicidade, objetos de uso cotidiano, moda, arquitetura, videoclipes e tantas representações visuais quantas o homem é capaz de produzir. Trata-se de levar o cotidiano para a sala de aula, explorando a experiência dos estudantes e sua realidade.
Essa "alfabetização visual" dará ao aluno condições de conhecer melhor a sociedade em que vive, interpretar a cultura de sua época e tomar contato com a de outros povos. Mais: ele vai descobrir as próprias concepções e emoções ao apreciar uma imagem. "O professor tem de despertar o olhar curioso, para o aluno desvendar, interrogar e produzir alternativas frente às representações do universo visual", afirma Fernando Hernández, professor da Faculdade de Belas Artes de Barcelona, na Espanha.
Teoria
O arte-educador e pesquisador norte-americano Elliot Eisner escreveu que o ensino se torna mais abrangente quando utiliza representações visuais, pois elas permitem a aprendizagem de tudo o que os textos escritos não conseguem revelar. Com base nisso, um grupo de pesquisadores norte-americanos passou, nos anos 1990, a estudar a ligação da Arte com a Antropologia. Ganhou o nome de cultura visual e hoje envolve também Arquitetura, Sociologia, Psicologia, Filosofia, Estética, Semiótica, Religião e História. Fernando Hernández é hoje um dos principais pesquisadores do assunto. Ele destaca que estamos imersos numa avalanche de imagens e que é preciso aprender a lê-las e interpretá-las para compreender e dar sentido ao mundo em que vivemos. Assim, crianças e adolescentes serão capazes de analisar os significados da imagem, os motivos que levaram à sua realização, como ela se insere na cultura da época, como é consumida pela sociedade e as técnicas utilizadas pelo autor. Na escola, isso significa que o ensino de Arte ganha uma perspectiva mais profunda. De conhecedor de artistas e estilos, o aluno passa a ser leitor, intérprete e crítico de todas imagens presentes em seu cotidiano.
Observar, produzir, avaliar
O ponto de partida para quem quer trabalhar a cultura visual é ficar atento no mundo à sua volta. Conhecer os objetos que fazem parte da realidade dos alunos e perceber quais são importantes para eles. E, claro, planejar as atividades conforme o projeto pedagógico da escola. Ao escolher os temas de estudo, dê preferência às imagens que façam sentido para os estudantes. O espanhol Fernando Hernández propõe alguns critérios. As representações devem ser inquietantes, estar relacionadas com valores comuns a outras culturas, refletir o anseio da comunidade, estar abertas a várias interpretações, ter sentido para a vida das pessoas, expressar valores estéticos, fazer com que o espectador pense, não apenas ser a expressão do narcisismo do artista, olhar para o futuro e não estar obcecadas pela ideia de novidade.
O visual da escola
Os estudos sobre cultura visual mostram que as imagens presentes em nosso cotidiano são fundamentais na formação de uma cultura crítica nas crianças e nos jovens. Como a escola é, desde cedo, um dos principais espaços frequentados por eles, ela ajuda (ou atrapalha) no processo de alfabetização visual. Por isso, antes de colar algo na parede de sala, pense: o que esse desenho, foto, mural ou cartaz vai representar para meus alunos? "O educador precisa evitar oferecer aos estudantes um espaço carregado de significados preestabelecidos", afirma Fernando Hernández.
O alerta vale principalmente para as classes de Educação Infantil. A pretexto de oferecer um ambiente "familiar", é comum ver as salas decoradas com personagens de histórias infantis e de desenhos animados. Os especialistas garantem que isso só ajuda a cristalizar estereótipos nos pequenos - e não auxilia em nada no trabalho de educar o olhar. "O ideal é que os espaços sejam preenchidos com representações criadas pelas próprias crianças", diz Irene Tourinho, vice-coordenadora do curso de pós-gradução em Cultura Visual da Universidade Federal de Goiás. Uma ideia: professores e alunos podem levar objetos importantes para eles (brinquedos, objetos de uso pessoal ou da decoração de casa etc.) e montar uma exposição para que todos observem e troquem informações sobre a importância de cada peça para seu dono, um trabalho ao mesmo tempo único e enriquecedor.
Roteiro para o olhar
O pesquisador norte-americano Robert William Ott, da Penn State University, criou o seguinte roteiro para treinar o olhar sobre obras de arte, mas ele pode ser adaptado a atividades ligadas à cultura visual. O diferencial é fazer sempre a relação com a realidade do aluno:
1) Descrever
Para aproveitar tudo o que uma imagem pode oferecer, os olhos precisam percorrer o objeto de estudo com atenção. Dê um tempo para a obra se "hospedar" no cérebro. Em sala de aula, peça que todos descrevam o que vêem e elaborem um inventário.
2) Analisar
É hora de perceber os detalhes. As perguntas feitas pelo professor devem ter por objetivo estimular o aluno a prestar atenção na linguagem visual, com seus elementos, texturas, dimensões, materiais, suportes e técnicas.
3) Interpretar
Um turbilhão de idéias vai invadir a classe e você precisa estar atento a todas elas, para
aproveitar as diversas possibilidades pedagógicas. Liste-as e eleja com a turma as que
correspondam aos objetivos de ensino. Meninos e meninas devem ter espaço para expressar as próprias interpretações, bem como sentimentos e emoções. Mostre outras manifestações visuais que tratem do mesmo tema e estimule-os a fazer comparações (cores, formas, linhas, organização espacial etc.).
4) Fundamentar
Levantadas as questões que balizarão o trabalho, é tarefa dos estudantes buscar respostas.
Elabore junto com eles uma lista com os aspectos que provocam curiosidade sobre a obra, o autor, o processo de criação, a época etc. Ofereça textos de diversas áreas do conhecimento para pesquisa e indique bibliografia e sites para consulta, selecionando os textos de acordo com os interesses e o nível de conhecimento da classe.
5) Revelar
Com tantas novidades e aprendizados, a turma certamente estará estimulada a produzir.
Discuta com todos como gostariam de expor as idéias que agora têm. Quais são essas idéias e como comunicá-las? É hora criar, desenhar, escrever, fazer esculturas, colagens.
Texto da Revista Nova Escola.
Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/arte/fundamentos/mundo-imagens-ler-426380.shtml
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