domingo, 27 de maio de 2012

DOSSIÊ - PARECIA UMA TEMPESTADE


A sinfonia dos canhões
Dez batalhas. Não necessariamente as mais sangrentas ou as mais conhecidas. Os eventos descritos a seguir foram escolhidos por terem sido decisivos para a formação do Brasil.
Aqui estão narradas lutas travadas no campo - ou no rio, como em Humaitá - e até a tomada de Monte Castello, que nem foi propriamente uma batalha. Também estão presentes as vozes do combate e da testemunha, que fazem o passado parecer vivo, ironicamente em um tempo de destruição e morte.
Com ou sem vitória, esses confrontos tiveram seu papel na construção da história nacional, que também é feita de pólvora, chumbo e sangue.

Cândido Lopez retratou com fidelidade episódios da Guerra do Paraguai. Acima, num detalhe da tela sobre Tuiuti, a cavalaria paraguaia massacrada pelo fogo aliado.


PARECIA UMA TEMPESTADE

A batalha do Tuiuti foi a mais violenta de todas que o Exército brasileiro travou durante a Guerra do Paraguai





     Foi um dos embates mais sangrentos de toda a história da América do Sul. Entre todos os que foram travados ao longo da Guerra do Paraguai (1864-1870), foi o maior e, mais do que isso, decisivo em relação ao potencial ofensivo dos beligerantes. Depois de começar com sabor de derrota, a batalha do Tuiuti acabou resultando em uma grande e rápida vitória militar das forças aliadas, que reuniam Brasil, Argentina e Uruguai. Algumas poucas horas do dia 24 de maio de 1866 foram suficientes para que o embate começasse a frustrar as expectativas do general paraguaio Francisco Solano López (1827-1870).
     A história desse confronto começou alguns meses antes, entre outubro de 1865 e março de 1866, quando os paraguaios tentaram invadir os territórios brasileiro e argentino, sem sucesso. A reação dos aliados se deu logo no mês de abril, quando adentraram o território inimigo e começaram a avançar pela região do Passo da Pátria até derrotar, no dia 2 de maio, seus adversários na região pantanosa de Estero Bellaco. Logo depois, as tropas prosseguiram rumo a Assunção enquanto iam fazendo o mapeamento do território. Em uma área que ficava a cerca de dez quilômetros da confluência dos rios Paraguai e Paraná, elas acabaram montando o acampamento de Tuiuti numa pequena elevação ladeada por matas, lagoas, pântanos e zonas de escoamento natural de águas estancadas chamadas de “esteros”. Nessa posição, os aliados tinham Estero Bellaco ao sul, o Estero Rojas e a lagoa Tuiuti ao norte, uma mata fechada e a Lagoa Pires a oeste, e uma vasta região pantanosa a leste.
     Mas entre o acampamento e as posições inimigas havia, além dos obstáculos naturais, uma série de trincheiras construídas pelos paraguaios, o que fazia de Tuiuti uma posição desfavorável para as ações ofensivas. Estima-se que os paraguaios tivessem, em maio de 1866, 25.000 soldados de prontidão na região. Os aliados, por sua vez, tinham cerca de 32.000 homens, sendo 21.000 brasileiros, 9.700 argentinos e 1.300 uruguaios. Na vanguarda, eles contavam com soldados uruguaios e brasileiros, sob o comando do general uruguaio Venâncio Flores (1808-1868), com destaque para o Primeiro Regimento Brasileiro de Artilharia a Cavalo, comandado pelo coronel Emílio Luiz Mallet (1801-1886). Os argentinos, voltados para o norte e para o leste, tinham um de seus contingentes liderado pelo general e presidente Bartolomé Mitre (1821-1906). Outro importante comandante do dispositivo militar da operação era o general brasileiro Manuel Luís Osório (1808-1879), cujo quartel-general ficava no centro do acampamento.
     Aproveitando sua vantagem territorial – havia grandes fragilidades na segurança dos flancos do acampamento aliado –, os paraguaios resolveram agir. Surpreendendo seus inimigos, eles não só procuraram atacar e atingir o centro do acampamento, como também mandaram uma parte de sua tropa para a retaguarda, a fim de bloquear qualquer tentativa de retirada. A ação teve início na manhã do dia 24 de maio, quando foram usados foguetes e granadas para anunciar o ataque. Rapidamente, os batalhões uruguaios e alguns brasileiros foram derrotados.
     O general Dionísio Cerqueira, que esteve no combate e deixou relatos escritos sobre o que viu nos campos de batalha, conta que o confronto foi um verdadeiro banho de sangue. “Os batalhões avançavam; a artilharia rugia rápida, infatigável, a revólver, era um contínuo trovejar. Parecia uma tempestade. Cornetas soavam a carga; lanças se enristavam, cruzavam-se as baionetas; rasgavam-se os corpos sadios dos heróis; espadas brandidas a duas mãos abriam crânios, cortavam braços, decepavam cabeças.”
     A artilharia brasileira contra-atacou abrindo fogo, buscando o flanco do inimigo que avançava, enquanto a cavalaria paraguaia manobrava para a esquerda e avançava contra o Primeiro Regimento Brasileiro de Artilharia. Nisso, um fosso, cavado a mando de Mallet, conseguiu impedir o avanço da cavalaria paraguaia. Seguiu-se, então, um confronto direto que envolveu duelos de espadas e lanças. Do centro da posição aliada, Osório movimentou rapidamente suas tropas para que os inimigos não avançassem acampamento adentro. Mesmo assim, o general Antonio de Sampaio (1810-1866), que comandava a Terceira Divisão de Infantaria, foi gravemente ferido e morreu enquanto recebia atendimento médico. O lado argentino também passou pelas mesmas dificuldades, mas nada disso conseguiu alterar os rumos do embate. Por volta das 16h30, os aliados, enfim, venceram a batalha em Tuiuti. As perdas humanas, entre mortos e feridos, chegaram a 13.000 paraguaios e 3.931 aliados – sendo que 3.029 destes eram brasileiros.
     De acordo com o depoimento que deixou, Cerqueira, literalmente, viu a morte de perto na ocasião. “Quando acabou a batalha, tinha a minha blusa, única, rota na altura do ombro direito, por uma bala, que passou triscando a pele. (...) Era noite quando voltamos ao acampamento. Perto da minha barraca, estava estendido, com os miolos de fora, um amigo de infância, o tenente de voluntários Emídio de Azevedo Monteiro. Ajoelhei-me ao seu lado; apertei-lhe a mão gelada e dei-lhe um beijo de adeus na larga testa ensanguentada.”
     Tuiuti foi palco de outras batalhas memoráveis, mas a maior delas foi, sem dúvida, a de 24 de maio de 1866. Tanto que, depois do embate, o general Sampaio, por ter morrido em combate, tornou-se patrono da Infantaria. Da mesma forma, Emílio Luiz Mallet foi condecorado patrono da Artilharia, e o general Osório, peça-chave da reação aliada, tornou-se patrono da Cavalaria [Ver “Eternogeneral” em RHBN nº 52]. A Guerra do Paraguai, de modo geral, e a batalha do Tuiuti, em particular, legaram ao Exército brasileiro seus principais heróis de guerra.

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional
Por: Braz Batista Vas é professor da Universidade Federal do Tocantins e autor da tese “O final de uma guerra e suas questões logísticas: o Conde d’Eu na Guerra do Paraguai (1869 – 1870)” (Unesp, 2011).

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