domingo, 27 de maio de 2012

DOSSIÊ - O FIM DO MAR DE ROSAS


A sinfonia dos canhões
Dez batalhas. Não necessariamente as mais sangrentas ou as mais conhecidas. Os eventos descritos a seguir foram escolhidos por terem sido decisivos para a formação do Brasil.
Aqui estão narradas lutas travadas no campo - ou no rio, como em Humaitá - e até a tomada de Monte Castello, que nem foi propriamente uma batalha. Também estão presentes as vozes do combate e da testemunha, que fazem o passado parecer vivo, ironicamente em um tempo de destruição e morte.
Com ou sem vitória, esses confrontos tiveram seu papel na construção da história nacional, que também é feita de pólvora, chumbo e sangue.

O FIM DO MAR DE ROSAS

O êxito na batalha de Monte Caseros garantiu ao Brasil a superioridade diplomática e militar na região platina


No desenho aquarelado de Rangel, o centro de linha do Exército Grande durante a batalha de Monte Caseros. No combate, de seis horas de duração, o coronel Osorio teve atuação destacada.
     A região do Rio da Prata interessava muito a D. Pedro II em meados do século XIX. Navegar pelos rios Paraná e Uruguai tinha uma importância crucial, já que eram vitais para o acesso do Rio de Janeiro a Mato Grosso, província isolada por terra do resto do Brasil. Além disso, os fazendeiros gaúchos tinham interesse em explorar economicamente as terras uruguaias. O problema era que o governador de Buenos Aires, Juan Manuel de Rosas (1793-1877), se recusava a abrir as vias fluviais do interior do país para os navios mercantes estrangeiros.
     Rosas estava no apogeu de sua força política na segunda metade dos anos 1840, um verdadeiro ditador da Confederação Argentina (1835-1862). Na guerra civil uruguaia (1838-1851), na qual blancos – proprietários de terra que controlavam quase todo o interior uruguaio – e colorados – grupo que contava com a adesão dos comerciantes e das potências europeias – se confrontavam, Rosas apoiava ativamente os blancos de Manuel Oribe (1792-1857), que mantinham sob cerco Montevidéu, onde se encontrava o governo colorado.
     Mas a situação de Rosas era bem diferente no início da década. Hostilizado pela Inglaterra e pela França, ele enfrentava movimentos contrários a seu governo nas províncias do chamado “litoral fluvial”. Para conter essa situação, o governador tentou se aliar ao Brasil: enviou o general Tomás Guido ao Rio de Janeiro em 1841 para que propusesse ao Império uma aliança para pacificar o Uruguai e o Rio Grande do Sul, onde transcorria a Revolução Farroupilha (1835-1845). A aliança foi assinada em 24 de março de 1843 por D. Pedro II. Mas Rosas acabou rejeitando o documento, alegando que Manuel Oribe não era reconhecido como presidente do Uruguai.
     Para a Coroa brasileira, essa recusa demonstrava que o governador argentino teria objetivos expansionistas em relação ao Paraguai e ao próprio Uruguai. A diplomacia imperial – orientada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulino José Soares de Sousa (1807-1866), futuro visconde do Uruguai – tratou então de traçar uma estratégia para anular Rosas. Para começar, reconheceu a independência do Paraguai em 1844. Em seguida, fez com que o Banco Mauá emprestasse dinheiro para sustentar o governo colorado de Montevidéu (1850), quando a província estava sem apoio financeiro e militar da Inglaterra e da França. E ainda se aproximou de Justo José de Urquiza (1801-1870), governador da província argentina de Entre Ríos, que andava descontente com as restrições impostas ao comércio no Rio Paraná.
     O aumento da tensão levou Rosas a romper relações diplomáticas com o Brasil em outubro de 1850. Urquiza, então, fez uma proposta ao Império: o Brasil se aliaria ao governo colorado para pacificar o Uruguai. Assinado em 29 de maio de 1851, o acordo era contra osblancos e determinava que a ação se voltaria contra Rosas, caso ele interviesse em favor de Oribe. Rosas, em resposta, declarou guerra ao Império no dia 18 de agosto. 
     O conde – futuro duque – de Caxias, que acumulava as funções de presidente e chefe militar do Rio Grande do Sul, reuniu um exército de 16.200 homens para bloquear a costa marítima e fluvial do Uruguai. Isso impediria que Oribe recebesse reforços de Rosas enquanto as tropas brasileiras e as de Urquiza invadissem o território uruguaio.  A ação militar foi curta, e a rendição de Oribe foi assinada em 8 de outubro de 1851.
     Pacificado o Uruguai, o Brasil tratou de assinar um novo tratado de aliança para derrotar Rosas de vez. Uniu-se ao próprio Uruguai e às províncias argentinas de Entre Ríos e Corrientes, que formaram uma tropa cujo ponto de encontro seria a localidade de Diamante, na margem do Rio Paraná. A região já era dominada pela Esquadra Imperial, que permitiu que os aliados ultrapassassem a posição de artilharia de Rosas no Passo de Tonelero. O exército aliado, comandado por Urquiza, atacaria Rosas pela margem direita do Rio Paraná, enquanto Caxias permaneceria em Sacramento, no Uruguai, com tropas de reserva.
     Os aliados passaram de Diamante para a outra margem do rio no dia 23 de dezembro e marcharam rumo a Buenos Aires. O exército de Urquiza tinha 25.000 bons combatentes, mas era carente de organização e de armamentos. Para compensar, ele contava com o apoio de 1.800 uruguaios e de 4.020 soldados brasileiros, que tinham uma boa estrutura de comando e armas modernas, como o “foguete a Congreve”, um tipo de projétil.
     O confronto ocorreu, finalmente, no dia 3 de fevereiro de 1852, na batalha de Monte Caseros, travada a 30 quilômetros de Buenos Aires. Durante cerca de seis horas, os aliados enfrentaram o exército de 26.000 homens de Rosas, que tinha a vantagem de ocupar posições defensivas sólidas e de contar com uma artilharia superior à de seus adversários. Mas a linha aliada tinha uruguaios à direita, a divisão brasileira ao centro e a divisão argentina de cavalaria, do general Araoz de la Madrid – da qual fazia parte o 2º Regimento de Cavalaria brasileira, comandado pelo coronel Manuel Luis Osorio – à esquerda. Essa divisão e o regimento brasileiro foram tão fundamentais para a vitória que, mais tarde, a bravura de Osorio e o desempenho de seus comandados seriam elogiados por Urquiza.
     Apesar da longa duração do embate, o número de baixas foi pequeno. Entre mortos e feridos havia cerca de 600 aliados e 1.500 membros do exército de Rosas. O ditador argentino se refugiou em um navio britânico no porto de Buenos Aires e se exilou na Inglaterra, onde faleceu. Para o Império brasileiro, a vitória em Caseros garantiu uma certa superioridade diplomática e militar na região platina. Mais do que isso, ela desobstruiu os interesses econômicos dos fazendeiros gaúchos na região, depois que Brasil e Uruguai assinaram, em 1851, um tratado de limites que atendia às posições defendidas pela diplomacia imperial.

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional
Por: Francisco Doratioto é professor da Universidade de Brasília e autor de Osorio, a espada liberal do Império (Companhia das Letras, 2008).

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