domingo, 27 de maio de 2012

DOSSIÊ - VALIOSO EMPATE

VALIOSO EMPATE

A batalha do Passo do Rosário prova que, no nível tático do combate, não perder pode garantir um bom resultado

A batalha do Passo do Rosário no traço de José Washt Rodrigues. A retirada ordenada por Barbacena impediu a destruição do exército brasileiro e frustou os objetivos dos argentinos.

     “A convenção de 1828 significa o primeiro grande triunfo da diplomacia do Império...”. Assim Carlos Oneto y Viana, político e intelectual uruguaio, classificou o acordo de paz que pôs fim à Guerra da Cisplatina (1825-1828), uma confrontação que começou como revolta, marcada pelo desembarque dos 33 orientais – como eram chamados os uruguaios – na praia de La Agraciada, após terem cruzado o Rio Uruguai. Em 10 de dezembro de 1825, depois que as Províncias Unidas do Rio da Prata anunciaram a incorporação da Cisplatina, à época unida ao Brasil, o governo imperial declarou guerra a Buenos Aires.
     Esta foi uma herança da luta travada por Espanha e Portugal no Prata desde o final do século XVII. A Cisplatina, atual República Oriental do Uruguai, nascera desse confronto com a fundação de Montevidéu em 1724, reação espanhola à ousadia da Colônia do Sacramento (1680), uma aventura da Coroa portuguesa.
     A delimitação do Sul do Brasil viria com a fortificação da barra do Rio Grande de São Pedro, atual Rio Grande, e da Ilha de Santa Catarina, irradiando uma fronteira que se sustentaria ao longo do século XVIII. Depois da tomada da região dos Sete Povos das Missões pelos luso-brasileiros em 1801, as divisas do Rio Grande foram definidas, mas seriam contestadas. Em 1811, a Corte portuguesa interveio no território da Banda Oriental, e entre 1816 e 1820 se viu em uma guerra travada primordialmente em solo brasileiro contra as pretensões do líder uruguaio José Artigas. Vencido o caudilho, o conservadorismo de Montevidéu e o interesse luso-brasileiro em conter a anarquia platina levaram à incorporação, em 1821, da Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve como Província Cisplatina, relativamente autônoma.
     Nesse contexto se deu a campanha de 1827, lançada por Buenos Aires para incorporar a Cisplatina e criar no Sul do Brasil uma república separada do Império. As operações começaram em dezembro de 1826 com o movimento do Exército Republicano – das Províncias Unidas do Rio da Prata –, que invadiu o Rio Grande em janeiro de 1827 e ocupou Bagé no dia 26. Diante do avanço inimigo, o Exército do Sul, sob o comando do marquês de Barbacena, conseguiu, no dia 5 de fevereiro, se unir à força que estava em Pelotas. O comandante platino, general Carlos Alvear, agravou a invasão seguindo para o norte e ocupando São Gabriel no dia 9, o que obrigou o Exército do Sul – numericamente inferior e com menor mobilidade por ser constituído majoritariamente de tropas de Infantaria – a seguir o inimigo em busca de combate. Alvear rumou então para oeste e pareceu se retirar na direção do Rio Uruguai. Os brasileiros se apressaram, pretendendo surpreender o inimigo em suposta retirada, cruzando o Rio Santa Maria. A melhor cavalaria brasileira se afastou, para esperar o inimigo onde ele não iria. Estava pronto o cenário para a destruição do exército incumbido de defender o Sul do Brasil.
   No alvorecer de 20 de fevereiro, o Exército do Sul se deparou com o Exército Republicano a oeste da Sanga do Areal, a cerca de seis quilômetros do Passo do Rosário, com a maioria de seu efetivo fora das vistas dos brasileiros. O comandante brasileiro e o seu chefe do Estado-Maior, o marechal Brown, à vista do inimigo, decidem atacar. O posicionamento das forças brasileiras para o combate não se completou conforme o planejado, pois a 2ª Divisão, à esquerda, foi atacada pela Divisão Lavalleja, que levou de roldão os milicianos de José de Abreu até se chocar como quadrado de ferro e fogo do 13º e do 18º Batalhão de Caçadores (BC), que a desbarataram. Na direita, a 1ª Divisão, com o 27º, o 3º e o 4º BC e duas brigadas de Cavalaria, atravessou a sanga e investiu frontalmente contra o inimigo, subindo a encosta e enfrentando com sucesso cargas que lhe foram dirigidas.
    Diante de Barbacena, o véu estratégico com que Alvear ocultou suas intenções nas semanas anteriores de marchas em ziguezague se rompeu no nível tático da batalha, à medida que o inimigo “em retirada” brotava da colina oposta tentando envolver e destruir as duas divisões brasileiras. Por volta de uma da tarde, Barbacena decidiu se retirar na direção de Cacequi para prosseguir na sua missão defensiva. Fracassando em atingir o objetivo da campanha, Alvear deixou o território brasileiro, e logo depois o presidente das Províncias Unidas, Rivadávia, pediu a paz ao Império, só concluída em outras condições mais de um ano depois. Por razões políticas, Alvear responderia a Conselho de Guerra.
    A “indecisa” batalha do Passo do Rosário foi a mais decisiva da História do Brasil independente. Pouco adiantaria a destruição da esquadra buenairense em Monte Santiago, que aconteceu em seguida, ou a visão geopolítica do Império mais tarde expressa na Convenção de 1828, se o Exército do Sul tivesse sido destruído em Passo do Rosário, abrindo ao inimigo o caminho para Porto Alegre e o espaço para promover uma revolta no Sul do país. A memória da batalha não fez jus ao triunfo brasileiro, pois esqueceu suas relações com a condução estratégica da campanha e a política da guerra. Se Titara apontou em 1852 a não derrota em Passo do Rosário, só muito mais tarde os estudos do historiador e militar Cláudio Moreira Bento sobre as marchas estratégicas que a antecederam e o resgate que fez do questionário em que Caxias revela o testemunho do ensaio para a batalha feito por Alvear no mesmo lugar do combate indicaram a ousada concepção política e estratégica do inimigo.
     Frustrara-se o plano de Buenos Aires diante da pontaria e das baionetas da Infantaria brasileira. Se, por um lado, custaram a emergir perspectivas mais amplas daquele acontecimento, por outro, inaugurara-se uma tradição depois tornada corrente no Prata quando, quarenta anos mais tarde, os aliados argentinos e uruguaios reconheceram o sangue-frio dos infantes brasileiros na frase pinçada pelo futuro barão de Jaceguai de sua vivência na Guerra da Tríplice Aliança:“Os brasileiros combatendo a pé são insuperáveis”.

Fonte: revista de História da Biblioteca Nacional
Por: Sérgio Paulo Muniz Costa é autor da tese “A Segunda Guerra Mundial: origens, causas, significado e projeções na atualidade” (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, 2006) e de “A Batalha do Passo do Rosário, o Triunfo Incompreendido” (Defesa Nacional nº 777, 3° trimestre, 1997).

Um comentário:

Bernardo disse...

Muito bom, Professor Penha. Sou de Rosário e curto muito nossa História (do Brasil). Um abraço!